segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Teste

 

Conselhos para escritores são sempre bem-vindos. Serão, a seguir, citados dois deles. O primeiro é de Yves-Marie-Joseph Congar (1904-1995), teólogo dominicano e Cardeal francês: “Certamente todos os que escrevem querem ser lidos. Mas nem sempre todos procuraram servir, pela pesquisa teológica, a vida dos homens e as necessidades pastorais da Igreja” (1969, p. 29). Escrever é expressar, através da escrita, o que se pensa. Escrever é grande responsabilidade, porque o objetivo é transformar a mente do leitor, apostando que haverá mudança nele, no modo de pensar e consequentemente no de agir. Escrever tema teológico faz com que a responsabilidade aumente, pois o teólogo escreve sob o compromisso de ser representante da palavra divina. A preocupação do teólogo católico, ao escrever, é servir, por meio de sua pesquisa, aos seres humanos de um modo geral, e ao que é pastoralmente necessário à Igreja. Congar, em 1966, reconhecia que a leitura teológica estava despertando bastante interesse nas pessoas laicas: “... o público cada vez mais largo quer interessar-se pela teologia e reclama que esta seja escrita de modo a ser compreendida por ele” (CONGAR, 1969, p. 29). Este interesse cresceu consideravelmente, a tal ponto de, por toda parte, desde aquela época, numerosos cursos de cultura religiosa, conferências de assuntos teológicos ou círculos bíblicos serem administrados e seguidos por leigos, costumeiramente sob a supervisão de uma autoridade eclesiástica. Isso demonstra claramente que a teologia é um ponto de interesse para muitas pessoas.

O âmbito católico faz com que a pesquisa teológica torne-se prazerosa para quem a elabora, pois há um labor muito fecundo e rico de informações. Existe, no catolicismo, a liberdade acadêmica, para que o pesquisador trabalhe com obediência, ciência e arte, o que envolve a sua criatividade. Sabe-se que a teologia católica ensinada nas universidades, seminários e escolas superiores traz, no seu conjunto e nas suas disciplinas particulares, uma quantidade inimaginável de material científico: nunca houve um tempo conforme o atual, no qual a produção teológica fosse tão abrangente, sendo divulgada também por meio de revistas, de livros, de editoras e de universidades que publicam, investigam e ensinam temas teológicos. Duas questões podem ser ditas sobre isso. Primeiramente, há crítica desta quantidade imensa de material. Entretanto, esta diversidade da Teologia cristã não pode ser colocada a escanteio como uma mera carga histórica: a amplitude dela é uma consequência necessária da pretensão de validade universal da fé cristã. “Ao reconhecer a verdade de que Deus se manifestou na criação, na redenção e na reconciliação como a origem e o fim do ser humano e do mundo, a teologia está obrigada a não excluir, por princípio, nada como possível objeto de sua reflexão” (MÜLLER,[1] 2018, p. 19). Em segundo lugar, às vezes, parece que a Teologia católica se encontra em um beco sem saída, porque, particularmente, mesmo com sua riqueza de conteúdo, parece que ter esgotado um importante paradigma aprendido, especialmente, nos tempos do Concílio Vaticano II (1962-1965): o paradigma da “comunhão”, o princípio sobre o qual se deve efetuar a reflexão teológica. Assim, “os teólogos deixaram de ousar uma apresentação sistemática de todos os tratados teológicos, preferindo antes uma especialização em determinadas áreas de reflexão, mesmo devido à própria quantidade de produção científica” (MARTINS,[2] 2003, p. 19). Não é equivocado que se especialize em determinada área. Mas, isto não deve fazer com que a pesquisa teológica fique fragmentada e perca sua harmonia.

O segundo conselho é de Délcio V. Salomon (m. 2013), filósofo e pedagogo brasileiro: “Ninguém tem algo a escrever se não tem algo de novo a comunicar” (2004, p. 34). Este é um universal critério da arte da escrita. Isto quer dizer que apenas repetir não é qualidade para um escritor. É preciso que haja algum tipo de novidade, nem que seja uma nova forma criativa de apresentar, através da escrita, um assunto antigo. É preciso deixar claro que não se critica, neste artigo, o uso de citações em uma pesquisa. Em uma citação literal, se a passagem citada ocupa no texto um lugar esmerado, e se o discurso possui bom nível, pertencendo à mesma qualidade do empréstimo, de tal modo que o faça reviver, pode-se afirmar, sem medo de errar, que o escritor é original em sua citação, pois se apropriou adequadamente das palavras que fez suas. Assim, de acordo com Antonin-Gilbert Sertillanges (1863-1948), filósofo e teólogo francês, “glorificando um outro, recebe uma glória semelhante. A citação é para você como a palavra que o dicionário fornece e que entretanto você cria, como a alma cria seu corpo” (2019, p. 149). O ancestral de todas as pessoas é a verdade, e a sabedoria convida a todos. “Perante os gênios, somos apenas crianças, mas crianças herdeiras. O que eles nos dão é nosso, pertence à eternidade; também eles o receberam” (SERTILLANGES, 2019, p. 149).

Nesse texto, a meta é comentar a relação entre o teólogo católico, a Igreja e a academia. As ideias do autor serão enobrecidas com a citação de estudiosos que contribuíram com assuntos ligados direta ou indiretamente ao tema da pesquisa. Toda pesquisa reúne informações que visam encontrar solução para uma pergunta e alcançar a resposta de um problema. Nesta pesquisa, o problema observado é que a cultura que vivemos não tem simpatia pela palavra “verdade”, mas enaltece uma liberdade praticamente sem limites para o ser humano. Neste contexto, como podem os teólogos católicos exercerem seus papéis de educadores nas academias ou nas próprias Igrejas, nas quais o pensamento dominante aderiu, ora mais, ora menos, tal pressuposto contemporâneo?



[1] Gerhard Ludwig Müller (n. 1947) é Cardeal alemão da Igreja Católica.

[2] Nuno Brás da Silva Martins (n. 1963) é um Bispo católico português.


quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Sumário do Blog

 

1. O amor a Deus e ao próximo

Disponível em: https://cristianismotrmasintrodutorios.blogspot.com/2024/09/1-o-amor-deus-e-ao-proximo.htmlData da publicação: 12 de setembro de 2024.



1. O amor a Deus e ao próximo

 

O que é ser católico? Em síntese, ser católico é receber o amor de Deus e aplicá-lo ao próximo. No tempo de Jesus havia alguns mestres que eram muito respeitados, do mesmo modo que, em outras épocas, alguns cientistas e escritores seriam admirados. Aqueles mestres eram tão elogiados que sua fama ultrapassou o seu tempo, chegando até nossos dias. Dois deles eram: Hillel, o Ancião ou o Babilônico (60 a.C.-9 d.C.), e Shammai, o Ancião (50 a.C.-30 d.C.). Hillel nasceu na Babilônia. Ele foi à Palestina para divulgar seus ensinos e tornou-se bastante famoso por sua inteligência. Ele criou sete princípios de interpretação das Escrituras e ainda fundou sua própria escola, Bet Hillel, onde lecionava. De acordo com William Coleman, “... foi lhe dado o título de Nasi, que significava ser ele o principal mestre do templo. Os historiadores classificam Hillel como um liberal, na interpretação da lei.”[1] Shammai também era um mestre muito respeitado e defendia muitas teses opostas a Hillel: sua interpretação das Escrituras era mais conservadora. “Na questão do divórcio, por exemplo, Hillel achava que qualquer motivo justificava a separação do casal, mas Shammai cria que eram poucas as razões verdadeiramente lícitas para o divórcio.”[2] Esses dois mestres foram os primeiros de uma série de outros “pares”, como eram denominados. No Novo Testamento, quando os fariseus perguntaram a Jesus sobre o divórcio, em Mateus 19, eles quiseram forçá-lo a optar pela opinião de Hillel ou Shammai.

Hillel e Shammai também estão ligados a uma história judia da época de Jesus. Conta a narrativa que um pagão se aproximou de Shammai, dizendo-lhe que se converteria de bom grado à religião judaica se o rabi fosse capaz de lhe explicar o conteúdo de sua religião no espaço de tempo em que alguém aguenta ficar apoiado sobre um pé somente. Shammai, com sua imaginação, percorreu o Pentateuco, a saber, os cinco livros de Moisés, recordando seus densos conceitos. Ele também refletiu sobre o que a interpretação judia havia acrescentado ao Pentateuco, declarando que era imprescindível para a salvação. “Quando havia se recordado de tudo, teve que reconhecer que era impossível compendiar em um par de frases toda a doutrina da religião de Israel.”[3] O pagão não desanimou: foi procurar outro famoso rabino, Hillel, propondo-lhe a mesma questão. Parecia que esta era, de fato, importante para ele ou, pelo menos, desafiadora. Ao contrário de Shammai, Hillel lhe respondeu, sem rodeios, que a toda a Lei consistia em não fazer ao próximo o que nos molesta; o restante era somente interpretação.

Não há dúvida de que se aquele mesmo pagão se dirigisse atualmente a alguns sábios teólogos cristãos, pedindo-lhes em uma breve introdução de alguns minutos a essência do Cristianismo, provavelmente eles diriam a ele que isso não é possível, especialmente por causa do estudo teológico tão amplo, o qual gasta semestres para pesquisar sobre os principais tratados de teologia. É verdade que “a teologia católica ensinada hoje nas universidades, escolas superiores e seminários oferece, no seu conjunto e nas suas disciplinas singulares, uma gama praticamente inimaginável de material científico.”[4] Nunca a produção teológica foi tão grande, conforme os nossos tempos: são revistas, livros, editoras e universidades que publicam, investigam e ensinam teologia. Duas palavras podem ser ditas sobre isso: primeiramente, há quem critique o número elevado de pesquisas da teologia cristã. No entanto, para Gerhard L. Müller (n. 1947), cardeal alemão da Igreja Católica, “... a diversidade da teologia cristã não pode ser posta de lado como uma mera carga histórica. Sua amplitude é uma consequência necessária da pretensão de validade universal da fé cristã.”[5] Ao reconhecer que, de fato, Deus se revelou na criação, na redenção e na reconciliação como a origem e o fim do ser humano e do mundo, a teologia não pode excluir, por princípio, nada como possível alvo de sua reflexão. Em segundo lugar, percebemos que, mesmo com tamanho material publicado, a teologia se encontra, hoje, diante de uma encruzilhada. Parece que a teologia católica esgotou o paradigma conciliar da “comunhão” como o princípio diante do qual precisa realizar a reflexão teológica. Assim, de acordo com Nuno Brás Martins, “os teólogos deixaram de ousar uma apresentação sistemática de todos os tratados teológicos, preferindo antes uma especialização em determinadas áreas de reflexão, mesmo devido à própria quantidade de produção científica.”[6]

A essência da pergunta feita pelo pagão pode ser vista novamente: desta vez, um rabino perguntou a Jesus de Nazaré: que devo fazer para alcançar a salvação? Joseph Ratzinger (1927-2022), teólogo católico alemão, disse que “era uma pergunta sobre o que Jesus considerava como realmente imprescindível em sua mensagem.”[7] A resposta de Jesus foi que o ser humano deve amar o Senhor, seu Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o espírito, pois esse é o maior e o primeiro Mandamento. O segundo, semelhante a esse, é que cada pessoa deve amar o seu próximo como a si mesmo. Jesus conclui que nesses dois Mandamentos estão a síntese de toda a Lei e os profetas. Isso se encontra em Mateus 22. Observamos que toda a exigência de Jesus é o amor: aquele que a cumpre é verdadeiramente cristão. Nisso está resumido tudo. Encontrar o amor de Deus e aplicá-lo na vida do próximo é o real sentido de ser cristão. Para chegar a esta prática, a alma precisa reconhecer que sua força vem de Deus. É belo ver uma alma que, após cair no abismo do pecado e do egoísmo, se vê resgatada por Deus e sabe que foi a misericórdia divina que estendeu a sua mão e a levantou. É bom que a alma humana reconheça a multidão das grandezas e misericórdias de Deus e as compare para contrastar com sua própria miséria. Nas palavras de Santa Teresa dʼÁvila (1515-1582), freira carmelita e mística católica espanhola, esta alma “consome-se de vergonha ao reconhecer Vossas grandezas (de Deus) e não ousa erguer os olhos em vossa presença (de Deus) para reconhecer o que Vos deve (a Deus).”[8]

A tradição dos anciãos judaicos obscurecia a obediência da Lei de Deus, dada por Moisés. Jesus perguntou aos anciãos, por qual motivo eles transgrediram o Mandamento de Deus por causa da tradição deles (Mateus 15,3). Eles não somente violaram a Lei pela transgressão, mas lhe contrapuseram uma lei própria que até hoje conhecemos como farisaica: “Com ela, tiram, acrescentam ou interpretam como querem; coisas que fazem particularmente os seus mestres.”[9] Quando os anciãos quiseram defender suas tradições, não quiseram se submeter à Lei de Deus que os preparava para a vinda de Cristo e delataram Jesus de operar curas em dia de sábado, o que a Lei não proibia, “... porque, de certa forma, ela própria curava, prescrevendo a circuncisão naquele dia”.[10] Porém, os anciãos não acusavam a si mesmos de desobedecer, em nome de sua tradição e da lei farisaica, ao Mandamento de Deus, a saber, o principal, que eles não observavam, de amar a Deus. Conforme vimos, em Mateus 22 Jesus ensinou que o amor a Deus é o primeiro e maior Mandamento e o segundo é o amor ao próximo, e que toda a Lei e os profetas dependem desses dois Mandamentos. Jesus não apresentou nenhum Mandamento maior do que este, mas o renovou, ordenando que seus discípulos amassem a Deus de todo seu coração e ao próximo como a si mesmos. “Se ele tivesse vindo de outro Pai, nunca teria assumido da Lei este primeiro e máximo mandamento, mas ter-se-ia esforçado por apresentar outro maior da parte do Pai perfeito e não usar o que fora dado pelo Deus da Lei.”[11]

Um texto bíblico demonstra que a ênfase de Cristo no amor não foi dita como uma simples expressão piedosa e exagerada, mas como algo que precisa ser entendido em sua seriedade plena e inequívoca. Trata-se do texto que apresenta em forma de parábola o juízo universal. “O juízo assinala a gravidade de tudo isto: então as coisas aparecerão tais como são, já que nele se decide o destino definitivo do homem.”[12] Nesta parábola, o Senhor ensina que o Juiz do mundo se dirigirá a dois grupos de pessoas. A uns, ele convidará a vir, por serem os benditos do seu Pai, para tomar posse do Reino que está preparado para eles desde a criação do mundo. Na continuidade, Jesus explicará que seu convite ocorreu, porque ele teve fome, era peregrino, nu, enfermo e porque estava na prisão, e aquelas pessoas o ajudaram. Os justos perguntam a Jesus quando que o viram com estas necessidades e foram ajudá-lo. Jesus respondeu que todas as vezes que tiveram aquelas atitudes diante de seus irmãos menores, eles fizeram ao próprio Cristo. Em seguida, Jesus se voltará para aqueles que estiverem à sua esquerda e lhes dirá que devem se retirar de perto dele. Cristo os mandará para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. O motivo é que eles não ajudaram Jesus nas mesmas necessidades descritas acima. A ênfase de Jesus é que cada vez que os seres humanos ajudam próximo é a ele mesmo que ajudam. Mas, quando negam ajudar o próximo, também negam ajudar Jesus. Esta parábola deixa claro que o Juiz do mundo não pergunta às pessoas, no dia do juízo, sobre as teorias que conheciam sobre Deus ou sobre o mundo. Ele “não pergunta pelos conhecimentos dogmáticos, mas pelo amor. Este basta para salvar o homem.”[13]

O apóstolo Paulo também afirma que a caridade é o cumprimento da Lei e se todo o resto desaparecer, a fé, a esperança e o amor permanecem, sendo que o amor é o maior de todos. Para o apóstolo, o conhecimento sem o amor de Deus não é nada, nem o entendimento dos mistérios, nem a fé, nem a profecia. Portanto, tudo é vazio e supérfluo sem a caridade (Romanos 13,10; 1 Coríntios 13,13). De acordo com Santo Irineu de Lyon (130-202), “a caridade torna o homem perfeito e quem ama a Deus é perfeito neste e no outro mundo; porque nunca deixaremos de amar a Deus, mas quanto mais o contemplarmos tanto mais o amaremos.”[14] São belas palavras. Pode haver, para um teólogo contemporâneo, o desejo de colocar alguma cláusula aditiva na norma do amor adotada por Jesus e por Paulo. Algo do tipo: “porém, é preciso”, ou “se fizemos isto ou aquilo”. A esta tentação, devemos mitigar e, enfim, negar. O correto é aceitar as palavras de Jesus com sua grandeza e simplicidade, sem acrescentar quaisquer condições. “Isto não significa, naturalmente, que devamos ser superficiais, como se estas palavras não carecessem nenhuma explicação ou coarctassem todos os seus direitos.”[15] “O amor que aqui se descreve como a essência do cristianismo exige de nós que procuremos amar como Deus ama.”[16] E qual o jeito do amor de Deus? De acordo com a Escritura, ele não nos ama por sermos especialmente bons, ou porque somos para ele úteis ou necessários. Deus é amor em sua plenitude e, dessarte, ele nos ama, porque ele é bom e não porque nós o somos. A alma devota, chamada por Deus, em cada graça concedida pela divindade, encontra um excesso de generosidade, porque se considera indigna de a receber. Nas palavras de Santa Tereza D’Ávila: “Acode aos Sacramentos, e uma fé viva faz morada em sua alma quando vê as virtudes que Deus ali colocou. Louva a Vós por terdes deixado tal medicina e unguento para as nossas chagas, que não só as curam superficialmente, mas as erradicam por completo.”[17] Ao descrever a alma que reconhece que não é digna das misericórdias divinas, exatamente por ser má, Santa Tereza D’Ávila também escreveu: “Disso a alma se espanta – a quem, Senhor meu, não se há de espantar de tão grande misericórdia que tão Extrema bondade em retribuição a uma traição tão odienta e abominável?”[18] De fato, conforme afirma o profeta Jeremias, as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, pois elas não têm fim. Renovam-se a cada manhã e grande é a fidelidade divina (Lamentações 3,22-23).

Amar de modo cristão significa seguir o caminho ensinado por Jesus de não amar apenas a quem nos é simpático, ou que nos agrada, ou ainda ao que claramente demonstra querer o nosso bem. Amar no sentido cristão significa ser bom ao que necessita de nossa bondade, ainda que ele nos seja antipático. O amor cristão é altruísta e procura reconciliar e exercer o bem obsequiosamente. Para Joseph Ratzinger, o amor cristão “significa seguir as pegadas de Jesus, realizando, com isso, uma espécie de revolução copernicana da própria vida.”[19] O que ele quer dizer com isso? Ratzinger afirma que, de certo modo, acabamos vivendo como antes do período de Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo e matemático polonês que desenvolveu a teoria heliocêntrica do Sistema Solar. Em qual sentido? Não que ao nos guiarmos pelas aparências, opinemos que o sol nasce e se põe, dando voltas ao redor da terra. Trata-se de um sentido que pode ser aplicado muito mais profundamente: todos nós possuímos uma tendência inata em virtude da qual tomamos o próprio “eu” como o centro ao redor do qual o mundo e as pessoas devem girar. Neste sentido de comparação, acabamos imaginando que as pessoas são satélites que giram em torno do ponto cêntrico, a saber, a nossa própria pessoa. Contra isso, podemos afirmar que ser cristão é algo que caminha além desse egoísmo. Ratzinger conclui que ser cristão “é realizar a revolução copernicana, deixando de nos considerar como o centro do universo, em torno do qual devem girar os outros, porque começamos a reconhecer com toda a seriedade que apenas somos uma das muitas criaturas de Deus que se movem ao redor dele, que é o verdadeiro centro.”[20] Portanto, ser cristão significa ter amor.


Heber Ramos Bertuci

12 de setembro de 2024



Notas:

[1] COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. (Venda Nova: Betânia, 1991), 128.

[2] COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. (Venda Nova: Betânia, 1991), 128.

[3] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 47.

[4] MÜLLER, Gerhard L. Dogmática católica. (Petrópolis: Vozes, 2018), 19.

[5] MÜLLER, Gerhard L. Dogmática católica. (Petrópolis: Vozes, 2018), 19.

[6] MARTINS, Nuno Brás. Introdução à teologia. (Lisboa: Universidade Católica, 2003), 19.

[7] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 48.

[8] SANTA TERESA D’ÁVILA. Livro da vida. (Dois Irmãos: Minha Biblioteca Católica, 2020), XIX, 5.

[10] IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias. (São Paulo: Paulus, 2009), IV,12,1.

[11] IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias. (São Paulo: Paulus, 2009), IV,12,2.

[12] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 49.

[13] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 50.

[14] IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias. (São Paulo: Paulus, 2009), IV,12,2.

[15] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 50-51.

[16] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 51.

[17] SANTA TERESA D’ÁVILA. Livro da vida. (Dois Irmãos: Minha Biblioteca Católica, 2020), XIX, 5.

[18] SANTA TERESA D’ÁVILA. Livro da vida. (Dois Irmãos: Minha Biblioteca Católica, 2020), XIX, 5.

[19] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 51.

[20] RATZINGER, Joseph. Acima de tudo, o amor (Sermão na Catedral de Münster, Advento de 1965). In: Idem. O que é ser cristão? (Caxias do Sul: Paulinas, 1969), 52.